quarta-feira, 4 de junho de 2014

O PATRIMÔNIO DE CAMOCIM EM 1890





Mercado Público de Camocim. Fonte: arquivo do blog.
Patrimônio é o que se tem, o que se herda, o que se preserva e também o que se perde! Embora o texto não verse sobre a moderna noção de patrimônio, notadamente sobre sua classificação em material e imaterial e a consequente sensibilização de preservarmos os bens materiais de um povo, de um município, gostaríamos de discutir um pouco sobre o que seria isso no tempo. Quando Camocim não passava de um pequeno burgo, emancipado recentemente de Granja, o patrimônio informado pelo Intendente ao Presidente da Província do Ceará em 1890, resumia-se a:
Seis quartos no Mercado Público desta cidade, construído de tijolo e barro no valor de 300$000 cada um; 
 Uma cacimba pública em frente ao Mercado construída de alvenaria ordinária no valor de 50$000; 
 Um curral de madeira para recolhimento de gado destinados ao consumo público no valor de 150$000;  
Um cemitério construído de tijolo e cal no valor de 1:500$000; Um açude na povoação da Barroquinha, neste município, construído de barro no valor de 2:000,000.
Camocim, 4 de setembro de 1890.
O Secretário da Intendência
José Carneiro de Araújo. 
Esse era o nosso patrimônio, no valor exato de 4:000$000 (quatro contos de réis). Mais do que uma curiosidade histórica, vale fazer um alerta para a questão do registro nos arquivos municipais: quase nada temos sobre os tempos pretéritos e o que se tem está se acabando pela voracidade do tempo e o descuido com os documentos, além do que esta responsabilidade é do poder público. Se eu não tivesse feito esse registro quando da publicação do livro A Casa do Povo em 2008, ficaria difícil, por exemplo, algum setor da Prefeitura Municipal localizar algo sobre o Mercado Público de Camocim no 1º Livro de Officios Expedidos.
Fonte:  1º Livro de Officios Expedidos.
SANTOS, Carlos Augusto P. dos. A Casa do Povo. História do legislativo Camocinense, 2008. 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O LAGO SECO. ESPAÇO DO LAZER E CULTURA POPULAR DE CAMOCIM

Lago Seco. Arquivo:bookcamocim.blogspot.com
Recebo notícias de que pouco a pouco nosso Lago Seco vem deixando de ser tão seco e acumulando água, deixando o lugar mais bucólico  para os camocinenses e turistas desfrutarem de suas belezas e aconchego. Pensando nisso, reproduzo um texto feito pela historiadora camocinense Jana Mendes que agora mora em São Paulo sobre o referido local, publicado no livro "Cidades Visíveis" organizado por mim e que reúne relatos de natureza histórica e cultural de várias cidades da zona noroeste do Estado do Ceará. Leiamos o que a Jana escreveu sobre, digamos,  os usos noturnos do Lago Seco de Camocim



  1. ESPAÇOS DE LAZER E CULTURA POPULAR EM CAMOCIM-CE.

                                                                                                                Jana da Silva Barbosa Mendes. 1

As noites de Camocim com seu clima agradável propiciam uma visitação à Avenida Beira-Mar onde estão concentrados os bares e restaurantes e toda a movimentação, principalmente durante as noites de sábado, momento que as famílias e a juventude ocupam o espaço urbano utilizando para o seu lazer.
Estes encontros podem ser para encontrar e conversar com amigos, tomar uma alguma bebida ou namorar. São várias as possibilidades existentes sobre a apropriação do espaço da cidade na construção de uma sociabilidade cultural.
Essas noites de sábados são regadas à música, especialmente o forró eletrônico, estilo que mais se ouve nos dispositivos midiáticos em difusão. O álcool está presente nos copos das mesas dos bares onde as gargalhadas e os tons de voz alta soam pelo calçadão da beira-mar. Desafiando os ouvidos estão presentes os chamados “paredões” onde tocam as músicas “da moda” a gosto popular. É possível observar como algumas pessoas se comportam no momento em que estas músicas são tocadas, muitas vezes impossíveis de serem ignoradas, já que o forró eletrônico mostra uma linguagem estilizada e chamativa.
Dessa forma, os espaços de sociabilidade são construídos pelas pessoas que frequentam o local e isto não deixa de ser um fato social e produção cultural.
Outro espaço da cidade utilizado nas noites de sábado e madrugada de domingo pela juventude de Camocim é o calçadão e as barracas do Lago Seco, onde dançam, bebem, conversam, paqueram ao ritmo do forró eletrônico, por muitas vezes reproduzindo um “estilo de vida” propagado pelas músicas em questão, que enfatizam a figura masculina como dominante sexual e o uso de bebidas alcoólicas, dentre outros temas próprias deste estilo musical.
É possível observamos jovens ao redor de paredões ou em mesas das barracas, portanto espaços propícios à conversação (nem tanto, face aos altos decibeis) e interação entre grupos de jovens. Na falta de clubes e festas, outros jovens se juntam a estes num momento livre para a distração. Caracterizam-se pela sua dimensão coletiva, pois é algo compartilhado por todos e a sua configuração espaço-temporal é determinada.
Nesse sentido, os locais de encontro dos jovens de Camocim são considerados como uma prática social e cultural, onde revelma um tipo de sociabilidade presente nessa juventude, embora entendamos que isso se dê por causa da falta de outras oportunidades e espaços para que essa mesma juventude possa sociabilizar-se.


1 Graduada em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Sobral-CE.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

REFLEXÕES SOBRE O PRIMEIRO DE MAIO

Fonte: historiadigital.org
Há dois anos escrevi este texto para um jornal local de Sobral para marcar a passagem do feriado de Primeiro de Maio. No entanto, o mesmo não chegou a ser publicado e nem me foi dito o porquê. Relendo-o, acho que o mesmo contêm alguma atualidade, no sentido do que vem se transformando a data que homenageia o trabalhador. Geralmente, as postagens nesse blog se referem exclusivamente à história de Camocim, inclusive já nos reportamos sobre essa data na história do município por mais de uma vez. Embora o texto se refira e seja inspirado noutro espaço - a cidade de Sobral; as reflexões sobre a data e o feriado servem para a compreensão geral do que permite nossa observação. Vamos ao texto:

O Feriado do Dia do Trabalho – os novos sentidos do Primeiro de Maio.
Grandes e pequenas passeatas, desfiles representativos do mundo do trabalho, debates nas sedes de agremiações sindicais e congêneres, sessões de teatro com temáticas proletárias, torneios esportivos, ações de luta para a conscientização das categorias profissionais e até anúncio do salário mínimo pelo governante do plantão, são manifestações que deram sentido a data do Dia do Trabalho que ficaram para trás, na esteira da modernidade globalizante que o capitalismo produziu, com intensa repercussão nos seus sentidos simbólicos.
Com efeito, a política do “pão e circo” produz novos sentidos para a data que, até vinte anos atrás, era apropriado pelos trabalhadores para escancarar em grandes atos políticos, as denúncias das relações vis impostas pelo patronato, principalmente no ABC paulista, na esteira daquele movimento protagonizado pelos metalúrgicos no final dos anos 1970 e que marcou um novo tempo no sindicalismo brasileiro, com as repercussões sociais e políticas que todos nós conhecemos.
Desta forma, uma data que nasceu da luta de trabalhadores norte-americanos no longínquo ano de 1886 pela jornada de 8 horas, que naquela época atingia até 14 horas (com a repressão ao movimento, foram condenados à morte e prisão perpétua), hoje se reconfigura com a promoção das multinacionais e centrais sindicais que lhe dão novos sentidos, promovendo grandes shows com cantores e bandas de sucesso, sorteios de carros e apartamentos. É a política de “pão e circo. Qualquer semelhança com manhãs de sol, churrascos, sorteio de cestas básicas e outros brindes, shows na Margem Esquerda não é mera coincidência.
Essa mudança nos sentidos do Primeiro de Maio que, historicamente teve seu caráter combativo, assim como festivo, embora em menores proporções que atualmente, foi devida, segundo o sociólogo Ricardo Antunes à “implementação do neoliberalismo e com reestruturação produtiva, que gerou a desestruturação da classe trabalhadora, com uma política agressiva de práticas anti-sindicais. Isso acabou conferindo uma transformação no plano das centrais sindicais. Por exemplo, em 1990 nasceu a Força Sindical. Ela herdou o velho peleguismo sindical brasileiro, que queria se reciclar, e se somou com um ideário neoliberal que deu o toque ideológico a essa nova direita. Foi a Força Sindical que introduziu essa prática que é recorrente hoje em todas as centrais sindicais, de um 1° de maio como um circo para os trabalhadores e trabalhadoras”.

         Desta forma, um leitor ou um observador mais atento ficará na expectativa do que irá acontecer em Sobral, o município que é pólo empregador da região noroeste do estado do Ceará, com seus milhares de postos de trabalho. Onde encontrar os trabalhadores nesta terça-feira dedicada, paradoxalmente, ao ócio? Que pelo menos seja ócio criativo para a maioria deles. No entanto, é bem provável que, na falta da Parada Gay, o divertimento se dê diante dos agudos de Agnaldo Timóteo e dos grunhidos de Joelma Calypso. O que diria disso tudo “O Operário de Deus”, epíteto pouco cultivado de D. José Tupinambá da Frota? Diante do exposto, só posso dizer que da data em questão, saiu o proletariado e ficou o feriado.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

OS DOIS CISNES DE CAMOCIM. EM MEMÓRIA DE PE. LUÍS XIMENES.

"Camocim, o cotidiano de um povo". Tela de Eduardo de Souza. 

A  foto ao lado é da tela do artista camocinense Eduardo de Souza, intitulada "Camocim, o cotidiano de um povo", por mim encomendada e que serviu de base para a elaboração da capa do nosso próximo livro "Entre o Porto e a Estação...". Tal livro é o resultado de nossa pesquisa de doutorado defendida em 2008 na Universidade Federal de Pernambuco e que será lançado em breve. Voltando à tela, a mesma mostra em seu primeiro plano uma velha Maria Fumaça trafegando à beira mar, de frente para armazéns e a Estação Ferroviária ao fundo. Em segundo plano, mas, não menos vistoso o famoso navio Aratanha ancorado em um dos trapiches e um outro um pouco mais afastado. Trabalhadores carregando os navios e passageiros que chegam compõem o resto da cena. Hoje, descobri uma coincidência entre um texto e a tela ao reler o livro "Paixão Ferroviária" do Pe. Luís Ximenes, camocinense que nasceu em Camocim na Rua do Egito e foi o grande pastor de ovelhas humanas no município de Santa Quitéria. A tela de Eduardo de Souza parece ter saído das reminiscências do nosso querido sacerdote, intitulada Dois Cisnes às páginas 90-91: 

"Outrora, o reino do trem de ferro, no norte do Ceará, tinha o seu trono na cidade de Camocim, à beira-mar. Naquela idade de ouro, a locomotiva e o navio, quais dois cisnes, viviam a nadar felizes, um ao lado do outro. O navio, no espelho azul das águas daquele mar fluvial, e a locomotiva, na lâmina dos trilhos da Rede Ferroviária Federal. [...] Camocim vive curtindo a sede do que já foi, e já perdeu a esperança de voltar a ser de novo aquela mesma cidade que foi ontem com o trem dentro de casa, com aquela estação movimentada regorgitando de gente à espera e à saída dos trens. A ferrovia dinamizava a região inteira, da praia até o sertão".
Afora o saudosismo do padre, filho de ferroviário, que tinha a paixão dos trens no coração, o artista Eduardo de Souza parece seguir os mesmos trilhos com um pincel na não e um trem na cabeça a retratar de vários ângulos nosso passado ferroviário. Mesmo sem se inspirar no texto, os dois cisnes estão na tela que representa nosso espaço de identidade histórica que marcou a vida de muitos camocinenses.

Fonte: XIMENES, Pe. Luís. Paixão Ferroviária. 1984.
Foto: Arquivo do blog.

terça-feira, 22 de abril de 2014

A VIOLÊNCIA POLICIAL EM CAMOCIM


            
Fonte: latuffcartoons.wordpress.com
Desde julho do ano passado que os movimentos sociais, ou a população em geral estão saindo às ruas para protestarem contra aumento de taxas, a inoperância do governo e a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Neste contexto,  a violência policial é um tema recorrente. Se hoje, essa truculência pode ser legitimada (pela corporação policial, é claro) pelos atos de vandalismo ao patrimônio público e privado, o mesmo não poderia se dar com simples cidadãos trabalhadores na década de 1960 no município de Camocim. Qual seria a razão de tanta violência cometida pelos policiais? Seria uma relação de poder relacionada com o regime militar implantado em 1964 ou éramos, já naquele tempo, uma comunidade problema? O certo é que os casos eram tão recorrentes, que os principais chegaram a ser discutidos na Câmara Municipal entre 1960 à 1971. De qualquer forma, há que se destacar que o próprio vereador Otávio de Sant'Anna, um oficial da Armada em Camocim foi um dos primeiros a  denunciar os crimes perpetrados por policiais. Nas sessões de 29 e 30 de março de 1960 o crime denunciado foi o cometido pelo policial Francisco Santana Filho que assassinou em praça pública o trabalhador da beira da praia  Francisco Ribeiro do Nascimento, mais conhecido como "Cícero Canário", depois do mesmo ter sido detido e espancado pelo policial que o encaminhava para a cadeia local. O crime mobilizou até o deputado Murilo Aguiar, ao qual foi pedido providências junto ao Secretário de Polícia do Estado. Em maio de 1963, as denúncias direcionadas ao então comandante da 9ª Companhia, capitão José Liberato de Lacerda era de que os pais de família ao se deslocarem na madrugada pelas ruas da cidade para buscar algum remédio para um familiar ou outra necessidade, eram "atacados impiedosamente pela patrulha policial". Seria um toque de recolher? Ainda em maio do mesmo ano, o vereador Luiz Damião de Oliveira, que era salineiro, se reportou sobre as violências cometidas pela tal patrulha que invadiram uma festa no Sindicato dos Trabalhadores do Porto, onde um filho de um sócio deste mesmo sindicato foi  "impiedosamente atacado, açoitado a pauladas a ponto de lhe quebrarem o braço". Nessa mesma sessão, a vereadora Carmelita Veras denunciou "as desordens praticadas pelos policiais existentes no "Distrito de Barroquinha (...) invadindo as residências familiares". A violência parecia ser tanta que o Presidente da Câmara ordenou a formação de uma comissão de vereadores que, junto com o Prefeito foram pedir esclarecimentos ao Capitão Comandante da Companhia de Polícia. As tratativas pareceram não ter tido êxito, assim como hoje se verificam com as chamadas audiências públicas para tratar do assunto. No ano seguinte, em 17 de abril de 1964, a Câmara repercutiu novamente a violência policial na solicitação do vereador Amanajás Passos de Araújo que pediu que se tomasse providências em "defesa dos pescadores do Rio Remédios, que o Delegado ali vem perseguindo os pescadores e que a pesca no referido rio, seja livre". Seria o delegado chegado a uma pescaria e queria o rio só para ele ou seus amigos? Sete anos depois, o assunto retornou à Casa do Povo. Na sessão de 04 de novembro de 1971 o vereador Antônio Mingueira Braga (que também era militar) fez a leitura em plenário de um ofício da Colônia de Pescadores denunciando que o cabo Bernardino da Polícia Militar tomava as facas dos pescadores que trabalhavam na beira da praia e ainda os levavam presos. O ofício pedia a ajuda da Câmara para que os pescadores pudessem "trabalhar sem constrangimento, o que dificilmente é feito nessa praia, pois o referido policial quando da patrulha, comete destas arbitrariedades, sem termos para quem apelar". Tradicionalmente as relações entre pescadores e policiais nunca foram fáceis. Embora que os documentos expressem apenas uma das partes na questão, não deixa de ser recorrente a violência policial nos anais da história.


Fonte: Câmara Municipal de Camocim. Livro de Atas das Sessões Ordinárias.

terça-feira, 8 de abril de 2014

A CÂMARA MUNICIPAL E A DITADURA EM CAMOCIM



Fonte: historianovest.blogspot.com
Assim como na passagem do Império para a República, logo de pronto a Câmara Municipal de Camocim tratou de saudar os novos detentores do poder no país quando do Golpe Civil-Militar de 1964. Voltemos ao século XIX! Em 26 de novembro de 1889, quinze dias, portanto, da Proclamação da República, o Presidente da Câmara, Sr. Serafim Manoel de Freitas,  que naquela época tinha função executiva, convoca seus pares para uma reunião extraordinária no sentido de manifestar "ao Governo provisório federal d"este Estado do Ceará a sua adhezão no heróico paço que derão na vanguarda dos mais liberaes instituição pela Proclamação da República Federativa do Paiz".

No caso da inauguração do regime de exceção  política iniciado em 1º de abril de 1964 não foi diferente. Não tendo em sua composição nenhum vereador eleito por partidos naquela época, ditos de esquerda - o último fora o comunista Pedro Teixeira de Oliveira (Pedro Rufino) na legislatura de  1947 a 1951 -, a Câmara logo se solidarizou aos  militares "revolucionários". Dez dias após à tomada do poder, na Sessão Ordinária de 10 de abril de 1964, o vereador João Oldernes Fiuza Lima pede que se insira na ata daquela sessão "um ato de louvor e congratulação às Gloriosas Forças Armadas de nossa querida Pátria que souberam bem interpretar e defender a nossa querida Pátria da insânia e julgo comunista que estava enxertada pelos maus brasileiros, tomando assim o verdadeiro caminho da democracia e nossa liberdade, como também passar telegramas dirigidos às Forças Armadas, Governador do Estado e Assembléia Legislativa em congratulação pelo grande acontecimento e êxito obtido".

Como na maioria das câmaras municipais do país, a solicitação do vereador foi aprovada por unanimidade. Sem nenhuma novidade também, é a fala do vereador na defesa de sua convicção, de resto, muito parecida com os discursos proferidos nos jornais da época, fortemente marcados pelas ideologias em jogo, notadamente pela inversão dos conceitos como democracia e liberdade. Mas isto é uma outra história!



FONTE: Arquivo Municipal de Camocim. 1º Livro de Ofícios Expedidos. 26/12/1885 a 11/05/1908, p.44. Respeitou-se a grafia da época.

segunda-feira, 31 de março de 2014

A DITADURA EM CAMOCIM - A MARCHA DA VITÓRIA

A data de 31 de março ou 01 de abril de 1964, como queiram, é emblemática para a história do Brasil. A partir desse marco, vivemos duas décadas no obscurantismo em regime de exceção. De uma maneira ou de outra, cada lugar do Brasil viveu as repercussões do período ditatorial. Em Camocim, não poderia ser diferente, ainda mais por termos aqui representantes das Forças Armadas (Exército e Marinha), nas instituições do TG 10 001 e Capitania dos Portos. Na política, também tivemos momentos em que o novo regime se apresentava nas mais diversas nuances. Para exemplificar, trazemos um trecho da 6ª Sessão Ordinária da 5ª Legislatura, de 17 de abril de 1964, portanto, dezessete dias após o golpe civil-militar:
"Usou da palavra o Snr. Vereador Otávio de Sant'Ana que se reportou sobre o assunto constante nas atas e continuando convidou esta Câmara a tomar parte na concentração e passeata nas principaes ruas desta cidade a se realizar amanhã às 15 horas pela Família Camocinense, na Marcha da Família com Deus com a Liberdade e Democracia em congratulação às Gloriosas Forças Armadas de nossa querida Pátria pela extinção do Credo Vermelho, infiltrado em todo território nacional pelos maus brasileiros".
Vale ressaltar que o Vereador Otávio de Sant'Ana era militar da reserva da Armada e fora Capitão dos Portos em Camocim. Por outro lado, as atas seguintes não dão conta de como se desenrolou a tal marcha pela cidade. Seria interessante que pudéssemos recuperar alguma outra fonte dessa marcha como um depoimento, uma fotografia, um documento, etc. Por outro lado, como Camocim teve uma célula tradicional do Partido Comunista, a ênfase da fala do vereador, transcrito na ata, ganha mais sentido. Atentar também para a inversão de significado das palavras e dos conceitos, como por exemplo, democracia.A marcha, convocada em nome da Liberdade e da Democracia, punha fim a um governo  eleito democraticamente e iniciava um período ditatorial.


Fonte: Arquivo da Câmara Municipal de Camocim.Respeitou-se a grafia da época.
SANTOS, Carlos Augusto Pereira dos. A Casa do Povo. História do Legislativo Camocinense. Sobral: Sobral Gráfica, 2008, p.95.
Foto: giovanipasini.com

quinta-feira, 20 de março de 2014

DITADURA MILITAR EM CAMOCIM - 50 ANOS DEPOIS

Difícil de uma data como os 50 anos do Golpe civil-militar de 1964 passar incólume na história de algum município brasileiro. Como maior ou menor resquício, algum evento, alguma pessoa ou grupos estiveram no contexto dessa fase triste da história do Brasil, de um ou de outro lado. As repercussões desse fato são tantas, que mesmo após a historiografia mostrar o lado cruel deste período, hoje, pessoas e movimentos tentam se levantar para a reedição de marchas que culminaram com a tomada do poder civil pelos militares de então. A sanha e a ignorância são tamanhas, que chegam ao ponto, em suas convocatórias hodiernas, que o grande perigo atual é o de nos tornarmos uma "ditadura comunista". Ditadura por ditadura, já sabemos que elas não são o melhor tipo de governo. Dessa forma, Camocim também se inscreve neste contexto de repressão e resistência ao golpe de 1964. Os documentos provam isso e recuam até a uma ditadura anterior a de 1964, a ditadura Vargas. Desde lá, podemos constatar estas duas possibilidades: políticos locais e autoridades atuando como repressores, assim como cidadãos questionando o estado das coisas. Sempre é bom lembrarmos que, se hoje, estes grupos que tentam reeditar eventos como a Marcha pela Família, com Deus, foi porque pessoas lutaram para termos pelo menos o direito de expressão assegurado, direito este negado por mais de 20 anos na recente história brasileira. Em postagens posteriores, enfocaremos estes momentos da nossa história, procurando suas ligações com a política nacional.
Fonte: oabrs.org.br.