quarta-feira, 30 de abril de 2014

OS DOIS CISNES DE CAMOCIM. EM MEMÓRIA DE PE. LUÍS XIMENES.

"Camocim, o cotidiano de um povo". Tela de Eduardo de Souza. 

A  foto ao lado é da tela do artista camocinense Eduardo de Souza, intitulada "Camocim, o cotidiano de um povo", por mim encomendada e que serviu de base para a elaboração da capa do nosso próximo livro "Entre o Porto e a Estação...". Tal livro é o resultado de nossa pesquisa de doutorado defendida em 2008 na Universidade Federal de Pernambuco e que será lançado em breve. Voltando à tela, a mesma mostra em seu primeiro plano uma velha Maria Fumaça trafegando à beira mar, de frente para armazéns e a Estação Ferroviária ao fundo. Em segundo plano, mas, não menos vistoso o famoso navio Aratanha ancorado em um dos trapiches e um outro um pouco mais afastado. Trabalhadores carregando os navios e passageiros que chegam compõem o resto da cena. Hoje, descobri uma coincidência entre um texto e a tela ao reler o livro "Paixão Ferroviária" do Pe. Luís Ximenes, camocinense que nasceu em Camocim na Rua do Egito e foi o grande pastor de ovelhas humanas no município de Santa Quitéria. A tela de Eduardo de Souza parece ter saído das reminiscências do nosso querido sacerdote, intitulada Dois Cisnes às páginas 90-91: 

"Outrora, o reino do trem de ferro, no norte do Ceará, tinha o seu trono na cidade de Camocim, à beira-mar. Naquela idade de ouro, a locomotiva e o navio, quais dois cisnes, viviam a nadar felizes, um ao lado do outro. O navio, no espelho azul das águas daquele mar fluvial, e a locomotiva, na lâmina dos trilhos da Rede Ferroviária Federal. [...] Camocim vive curtindo a sede do que já foi, e já perdeu a esperança de voltar a ser de novo aquela mesma cidade que foi ontem com o trem dentro de casa, com aquela estação movimentada regorgitando de gente à espera e à saída dos trens. A ferrovia dinamizava a região inteira, da praia até o sertão".
Afora o saudosismo do padre, filho de ferroviário, que tinha a paixão dos trens no coração, o artista Eduardo de Souza parece seguir os mesmos trilhos com um pincel na não e um trem na cabeça a retratar de vários ângulos nosso passado ferroviário. Mesmo sem se inspirar no texto, os dois cisnes estão na tela que representa nosso espaço de identidade histórica que marcou a vida de muitos camocinenses.

Fonte: XIMENES, Pe. Luís. Paixão Ferroviária. 1984.
Foto: Arquivo do blog.

terça-feira, 22 de abril de 2014

A VIOLÊNCIA POLICIAL EM CAMOCIM


            
Fonte: latuffcartoons.wordpress.com
Desde julho do ano passado que os movimentos sociais, ou a população em geral estão saindo às ruas para protestarem contra aumento de taxas, a inoperância do governo e a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Neste contexto,  a violência policial é um tema recorrente. Se hoje, essa truculência pode ser legitimada (pela corporação policial, é claro) pelos atos de vandalismo ao patrimônio público e privado, o mesmo não poderia se dar com simples cidadãos trabalhadores na década de 1960 no município de Camocim. Qual seria a razão de tanta violência cometida pelos policiais? Seria uma relação de poder relacionada com o regime militar implantado em 1964 ou éramos, já naquele tempo, uma comunidade problema? O certo é que os casos eram tão recorrentes, que os principais chegaram a ser discutidos na Câmara Municipal entre 1960 à 1971. De qualquer forma, há que se destacar que o próprio vereador Otávio de Sant'Anna, um oficial da Armada em Camocim foi um dos primeiros a  denunciar os crimes perpetrados por policiais. Nas sessões de 29 e 30 de março de 1960 o crime denunciado foi o cometido pelo policial Francisco Santana Filho que assassinou em praça pública o trabalhador da beira da praia  Francisco Ribeiro do Nascimento, mais conhecido como "Cícero Canário", depois do mesmo ter sido detido e espancado pelo policial que o encaminhava para a cadeia local. O crime mobilizou até o deputado Murilo Aguiar, ao qual foi pedido providências junto ao Secretário de Polícia do Estado. Em maio de 1963, as denúncias direcionadas ao então comandante da 9ª Companhia, capitão José Liberato de Lacerda era de que os pais de família ao se deslocarem na madrugada pelas ruas da cidade para buscar algum remédio para um familiar ou outra necessidade, eram "atacados impiedosamente pela patrulha policial". Seria um toque de recolher? Ainda em maio do mesmo ano, o vereador Luiz Damião de Oliveira, que era salineiro, se reportou sobre as violências cometidas pela tal patrulha que invadiram uma festa no Sindicato dos Trabalhadores do Porto, onde um filho de um sócio deste mesmo sindicato foi  "impiedosamente atacado, açoitado a pauladas a ponto de lhe quebrarem o braço". Nessa mesma sessão, a vereadora Carmelita Veras denunciou "as desordens praticadas pelos policiais existentes no "Distrito de Barroquinha (...) invadindo as residências familiares". A violência parecia ser tanta que o Presidente da Câmara ordenou a formação de uma comissão de vereadores que, junto com o Prefeito foram pedir esclarecimentos ao Capitão Comandante da Companhia de Polícia. As tratativas pareceram não ter tido êxito, assim como hoje se verificam com as chamadas audiências públicas para tratar do assunto. No ano seguinte, em 17 de abril de 1964, a Câmara repercutiu novamente a violência policial na solicitação do vereador Amanajás Passos de Araújo que pediu que se tomasse providências em "defesa dos pescadores do Rio Remédios, que o Delegado ali vem perseguindo os pescadores e que a pesca no referido rio, seja livre". Seria o delegado chegado a uma pescaria e queria o rio só para ele ou seus amigos? Sete anos depois, o assunto retornou à Casa do Povo. Na sessão de 04 de novembro de 1971 o vereador Antônio Mingueira Braga (que também era militar) fez a leitura em plenário de um ofício da Colônia de Pescadores denunciando que o cabo Bernardino da Polícia Militar tomava as facas dos pescadores que trabalhavam na beira da praia e ainda os levavam presos. O ofício pedia a ajuda da Câmara para que os pescadores pudessem "trabalhar sem constrangimento, o que dificilmente é feito nessa praia, pois o referido policial quando da patrulha, comete destas arbitrariedades, sem termos para quem apelar". Tradicionalmente as relações entre pescadores e policiais nunca foram fáceis. Embora que os documentos expressem apenas uma das partes na questão, não deixa de ser recorrente a violência policial nos anais da história.


Fonte: Câmara Municipal de Camocim. Livro de Atas das Sessões Ordinárias.

terça-feira, 8 de abril de 2014

A CÂMARA MUNICIPAL E A DITADURA EM CAMOCIM



Fonte: historianovest.blogspot.com
Assim como na passagem do Império para a República, logo de pronto a Câmara Municipal de Camocim tratou de saudar os novos detentores do poder no país quando do Golpe Civil-Militar de 1964. Voltemos ao século XIX! Em 26 de novembro de 1889, quinze dias, portanto, da Proclamação da República, o Presidente da Câmara, Sr. Serafim Manoel de Freitas,  que naquela época tinha função executiva, convoca seus pares para uma reunião extraordinária no sentido de manifestar "ao Governo provisório federal d"este Estado do Ceará a sua adhezão no heróico paço que derão na vanguarda dos mais liberaes instituição pela Proclamação da República Federativa do Paiz".

No caso da inauguração do regime de exceção  política iniciado em 1º de abril de 1964 não foi diferente. Não tendo em sua composição nenhum vereador eleito por partidos naquela época, ditos de esquerda - o último fora o comunista Pedro Teixeira de Oliveira (Pedro Rufino) na legislatura de  1947 a 1951 -, a Câmara logo se solidarizou aos  militares "revolucionários". Dez dias após à tomada do poder, na Sessão Ordinária de 10 de abril de 1964, o vereador João Oldernes Fiuza Lima pede que se insira na ata daquela sessão "um ato de louvor e congratulação às Gloriosas Forças Armadas de nossa querida Pátria que souberam bem interpretar e defender a nossa querida Pátria da insânia e julgo comunista que estava enxertada pelos maus brasileiros, tomando assim o verdadeiro caminho da democracia e nossa liberdade, como também passar telegramas dirigidos às Forças Armadas, Governador do Estado e Assembléia Legislativa em congratulação pelo grande acontecimento e êxito obtido".

Como na maioria das câmaras municipais do país, a solicitação do vereador foi aprovada por unanimidade. Sem nenhuma novidade também, é a fala do vereador na defesa de sua convicção, de resto, muito parecida com os discursos proferidos nos jornais da época, fortemente marcados pelas ideologias em jogo, notadamente pela inversão dos conceitos como democracia e liberdade. Mas isto é uma outra história!



FONTE: Arquivo Municipal de Camocim. 1º Livro de Ofícios Expedidos. 26/12/1885 a 11/05/1908, p.44. Respeitou-se a grafia da época.