“Camocim,
domingo, 2 de dezembro de 94
am.
Ulysses,
Abraço-te.
Li
tua carta e respondo-a. Faço sinceros votos para que a saúde te
tenha voltado ao corpo, e com ela a sentillante alegria que
sempre iluminou o teu fino e nervoso rosto de bohemio.
Dou-te
notícias de Camocim. Não te interessam? Pois tenha paciência.
Isto
aqui não é sertão nem é serra e assemelha-se à praia. A hora
em que te escrevo, 5 da tarde, sopra um vento triste e frio de
começo de inverno. A maré escua-se lentamente como n’uma
agonia sem lamentos, E por traz das casas baixas d’este burgo o
sol se embebe no poente, Esmorecido, sem esplendor, sem a pompa
áurea dos acasos de verão.
Para
minha frente, o rio (aqui diz-se mar),para as minhas costas o ...
matto, e por toda a parte a areia, o pó. Que tédio! No porto o
perfil alvacente e incaracterístico de uma escuna norueguesa ou o
costado sujo de um vapor pernambucano.
Nos
trapiches abandonados, atulhados de fardos de algodão, os
rapazinhos pescam à luz moribunda da tarde, saccando d’água
peixes pequenos que protestam estorcendo-se á ponta da linha com
a fúria de um peixe!
Vista
ao largo. A maré de vazante a barra não tem attractivos. É bom
de ver-se quando ella enche, as mandas de ondas com suas jubas
brancas de espumas, albalroando-se, desfazendo-se para se tornarem
a formar, fazendo chegar até nós a surda melopéia longíqua do
mar, o coro eterno das vagas.
|
Lívio Barreto. Foto: internet |
Ainda
á nossa frente, da outra banda, os mangaes esbatidos, de um verde
escuro á claridade mórbida e triste do fim do dia, trancam o
horisonte com a longa sombra de sua folhagem escura, tão densa
que atravez d’ella não se vê o sol quando de salteia, de
manhã, em curtos vôos lentos uma garça põe com a brancura de
sua plumagem uma nódoa de leite n’aquella tela cor de lodo, e
rasando a ilha dos mangues, um braço do rio alonga-se matto a
dentro, perdendo-se em meandros, esvahindo-se ao longe...
Da
Granja, desce uma canoa de vasante, batendo os remos, como
barbatanas, esguia e longa, com os seus dois remadores e o seu
mestre apoiando o cotovelo sobre a cana do leme immóvel.
E
sobre toda essa paysagem incolor, de uma monotonia de missa de dia
de fazer, paira a aza pesada e sonnolenta do aborrecimento o mais
medonho, do tédio o mais cruel!
Ah!
se aquellas nuvens que ameaçam chuva se rasgassem agora, como eu
iria me deitar satisfeito, ás 6 horas da tarde, fugindo a este
enjôo que envenena como uma despepsia!
Adeus,
abraço, etc.
Lívio
Barreto”.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário