Quando eu estava pesquisando sobre a militância comunista em Camocim, Dona Guiomar Cordeiro de Oliveira, foi uma das minhas entrevistadas. Filha de Pedro Rufino, irmã do Seu Nilo, relembrou os tempos de tortura e sacrifícios. Quase tudo que ela me disse está reproduzido em entrevista concedida por ela no Portal Vermelho que reproduzimos abaixo. No momento em que o país tenta viabilizar uma Comissão da Verdade no sentido de investigar essa página triste da história brasileira, depoimentos como o da Dona Guiomar são reveladores. Leiam!
Dona Guiomar Cordeiro de Oliveira. Fonte: vermelho.org.br |
Guiomar Cordeiro: “Meu pai deu a vida ao Partido Comunista”
Por Carolina Campos
Passo firme, sorriso ABERTO
e muita história pra contar. Aos 87 anos, Guiomar Cordeiro de Oliveira
recebeu o Vermelho/CE para falar da sua história de luta, da atuação
comunista e de seu grande exemplo: o pai. Pedro Teixeira de Oliveira,
conhecido como Pedro Rufino, foi um dos fundadores do Partido Comunista
do Brasil, em Camocim, e é até hoje um dos maiores símbolos comunistas
cearenses.
Única filha mulher de Pedro Rufino, Dona Guiomar tem da infância
lembranças da companhia do pai nas passeatas, comícios e reuniões que
ele participava. “Eu era pequena, não entendia muito, mas sempre o
acompanhava”. Mas as recordações também são dolorosas. “Ele foi preso
onze vezes, apenas por ser comunista e lutar pelo direito dos
trabalhadores e do povo da região.
Muitas vezes ia deixar a comida dele na prisão, ficava na delegacia
fazendo companhia e quando voltava, chorava de saudade”, relembra. Na
escola, quando ouvia brincadeira dos colegas por conta das prisões, a
resposta tinha na ponta da língua. “Ele não é ladrão. Foi preso porque
defende os direitos dos pais de vocês”.
Não foram poucas as vezes que Dona Guiomar presenciou a prisão do pai.
“Ele era comerciante, tinha um bar e atendia a clientela noite adentro.
Uma vez, tarde da noite, ao chamar minha mãe para abrir a porta, foi
surpreendido pela polícia que já o aguardava de tocaia. Não pode nem
entrar para pegar roupas”, recorda.
Pedro Rufino filiou-se ao Partido Comunista do Brasil em 1928, ano em
que fundou o Partido em Camocim. Liderança destacada, sempre lutou pelos
direitos dos trabalhadores e das pessoas da região. “Meu pai nunca foi
empregado de ninguém, então colocou um comércio. Ele não aguentava abuso
de patrão e por isso defendia tanto os trabalhadores”, ratifica Dona
Guiomar.
Foram inúmeras as participações de Pedro Rufino que marcaram o
movimento popular em Camocim. “Onde ele chegava, era logo cercado. Meu
pai era muito querido por todos. Mercado, estação de trem, construção
civil, todo mundo recorria a ele quando precisava de alguma coisa”.
Dona Guiomar cita um incêndio que aconteceu numa localidade próxima e
Pedro Rufino saiu em defesa da vítima. “Ele veio a Fortaleza, falar
pessoalmente com o Governador, para garantir o ressarcimento dos bens”.
Nas passeatas do 1º de Maio e na greve geral de 1949, ele também era
destaque. “Outra data de muito discurso e festa era o dia 3 de janeiro,
dia em que comemorávamos o aniversário de Luis Carlos Prestes. O dia já
amanhecia com foguetório na cidade”, sorri ao relembrar. A luta pela
manutenção da estrada de ferro foi outra bandeira encabeçada por Pedro
Rufino. “Foram meses se dedicando a esta causa.
Dia e noite, ele estava atuando, mobilizando as pessoas para garantir que a estrada de ferro não fosse retirada
de Camocim. Teve até a visita de ministro na cidade e conseguimos adiar
por quase 30 anos esta decisão. Saímos vitoriosos”, comemora Dona
Guiomar.
Companheira de lutas do pai
Já mocinha, Dona Guiomar além de acompanhar Pedro Rufino nas
atividades, também passou a participar dos debates. “Gostava de
conversar com ele porque sei que o que dizia era o certo. Eu fazia até
discursos nos comícios, sempre seguindo o mesmo caminho do meu pai”.
Dona Guiomar casou bem jovem, aos 15 anos. Por um tempo morou em
Parnaíba (PI), mas sempre com vínculos em Camocim. Após oito anos, volta
para a cidade natal e começa a atuar na defesa dos direitos das
mulheres. “Fui presidente da União Feminina de Camocim. Realizávamos
reuniões aos domingos para discutir as necessidades das mulheres da
região. Nossa sede era bem movimentada e a participação empolgava.
Muitas vezes vim a Fortaleza para representar a entidade nos encontros
da capital”. Dentre as demandas, leite para as crianças carentes e
melhoria das escolas. “A gente também se integrou na campanha ‘O
Petroleo é nosso’. Saíamos para colher assinaturas”, relembra.
Dona Guiomar já tinha os quatro filhos quando Pedro Rufino foi eleito
vereador, em 1948. Apesar de comunista, foi pelo Partido Republicano que
conseguiu concluir o mandato, sigla que abrigou os comunistas no Ceará
depois de o Partido Comunista entrar na ilegalidade.
A atuação de Pedro Rufino na Câmara Municipal de Camocim foi marcada
por posições firmes e muita polêmica, principalmente por ir de encontro
aos interesses das famílias tradicionais da política local. Como
parlamentar fez parte das Comissões de Legislação, Educação e Cultura,
Comissão de Saúde Pública e Assistência Social e Comissão de Redação.
“Ele contribuiu na redação do regimento da Câmara de Camocim que está em
vigor até hoje”, ratifica Dona Guiomar, orgulhosa.
Um fato que hoje arranca sorrisos de Dona Guiomar era a conduta do
Vereador Alfredo Coelho. “Ele faltava sessões e pedia licenças
constantes porque não queria ter o desprazer de dividir o mesmo lugar
com meu pai nem ser chamado de colega por um comunista”. Além de
vereador, Pedro Rufino foi ainda Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil de Camocim e de outras entidades e
associações ligadas aos movimentos sociais da região. Ele faleceu em 18
de outubro de 1973, em decorrência de problemas cardíacos.
Filiada há mais de 50 anos ao Partido Comunista, Dona Guiomar continua
com a convicção de defender as ideias de Pedro Rufino. “A lição que ele
me deixou foi de fazer o bem, defender o povo e trabalhar muito em
benefício da melhoria de vida das pessoas. Meu pai deu a vida ao Partido
Comunista e em defesa de sua causa e nada era mais importante para ele
que as ações do Partido”.
Uma das pioneiras na luta em defesa dos direitos da mulher, Dona
Guiomar comemora o fato de uma mulher ter sido eleita Presidente do
Brasil pela primeira vez. “Ela é corajosa e muito inteirada das coisas.
Torço que continue nossa luta e faça um grande governo, com democracia e
sem corrupção. Eu estou do lado dela”, ratifica.
Liderança destacada e referência comunista no Ceará, Pedro Rufino foi
responsável pelo fortalecimento do Partido no Estado. Atualmente, o
PCdoB elegeu um Senador (Inácio Arruda), dois Deputados Federais (Chico
Lopes e João Ananias), um Deputado Estadual (Lula Morais), além de
administrar várias prefeituras cearenses. Questionada sobre o que o pai
acharia deste crescimento, Dona Guiomar é enfática: “Ele estaria muito
feliz e batalhando para o Partido crescer ainda mais. Quem sabe até ele
mesmo chegar a estes cargos”.
Apesar da idade avançada, Dona Guiomar ainda acompanha reuniões do
Partido e participa de eventos, como na solenidade em comemoração aos 90
anos de fundação do PCdoB, momento em que a atuação de Pedro Rufino foi destacada como um
dos comunistas pioneiros no Ceará. “Até quando puder, vou continuar a
luta de meu pai, na defesa dos trabalhadores, das mulheres e dos
direitos do povo”.
Com atuação voltada para a juventude e para as mulheres, Dona Guiomar
deixa um recado para os comunistas enfatizando a necessidade de o povo
se organizar e da união de todos. “É aquele velho ditado: uma andorinha
só não faz verão. Devemos atuar com união e organização, trabalhando
pela defesa dos direitos das pessoas e sempre com um olhar voltado para o
futuro”, defende.
Fonte: Portal Vermelho. 10/04/2012.
Isso mesmo. "Passo firme, sorriso ABERTO", justo este que se ver na foto e como está na descrição. Homenagem merecida! É uma mulher de fibra. Admiro esta mulher, não por ser parente, o que de certa forma nos aproxima, sendo prima materna de minha mãe. Mas por sua história de vida. Hoje, morando em Fortaleza, vem a Camocim quase que mensalmente e sempre muito alegre visita a pé todos os parentes vendo como estão e dando uma palavra amiga. Uma atitude louvável!
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