Em nossas pesquisas sobre o mundo do trabalho em Camocim, encontramos coisas interessantes sobre as as agremiações sindicais, que se esforçavam para propiciar o mínimo de lazer para seu corpo de associados. Forrós, tertúlias e outras formas de diversão faziam parte das opções que as diretorias dos sindicatos tentavam oferecer. Pensando nisso, em plena crise dos trabalhos de estiva, o presidente do Sindicato dos Estivadores do Porto de Camocim, Veridiano Rosendo da Cruz, fez “uma narração eloqüente na esperança de ser compreendido por todos os sócios presentes e para compra de uma radiola altafidelidade para diversão dos sócios e suas famílias”. (SEPC/AAGE, de 9 de junho de 1970. Livro 2. Camocim-CE). O dinheiro para a compra do objeto em questão viria, segundo o presidente, do montante relativo às férias do período de dezembro de 1969 a maio de 1970. Contra essa proposição, alguns sócios se manifestaram, afirmando que o sindicato tinha outras prioridades como a compra de outros móveis, como telefone, mesa, toalha, estantes, bandeiras, cadeiras, birôs etc. O Presidente não desistiu do seu intento. Não podendo utilizar o dinheiro das férias dos sócios, abriu lista para quem quisesse “doar as suas férias para a compra da radiola”. As atas seguintes não dão notícias da compra da radiola especificando valores e marcas. Contudo, a compra foi efetivada. Vasculhando vários documentos do modesto arquivo do sindicato, encontrei dois que podem confirmar essa compra. O primeiro traz uma relação dos poucos discos disponíveis na discoteca do sindicato. O segundo trata de um regulamento do uso da radiola pelos sócios. O gosto musical dos estivadores parecia ser eclético. Em apenas quatro discos, várias amostras do nosso cancioneiro popular: Vejamos:
SINDICATO DOS ESTIVADORES DO PORTO DE CAMOCIM Relação dos discos da discoteca do Sindicato. 1- LP Nº 5287, de NELSON GONÇALVES, (RCA) 2- LP Nº 112278, Vol. VII, Os MELHORES DO SAMBA (OKEH) 3- LP Nº 137746, JERRY ADRIANI, (CBS) (Pensa em mim). 4- LP Nº EQC – 882/A (THE POP’S) (Rio Amigo). Camocim, 23 de Junho de 1972. VRC.
A simples regulamentação do uso da radiola informa muito mais do que normas a obedecer. Percebe-se que o presidente do sindicato aproveita a oportunidade para incutir nos associados as regras da manutenção da boa ordem do recinto sindical. Através do uso do objeto de consumo tão desejado na época, o presidente pretende controlar a ingestão de bebidas dos sócios, direciona o divertimento para o âmbito das relações familiares, de parentesco e amizade e do orgulho cívico, procurando resguardar a privacidade e um sentimento de pertencimento da categoria. A festa é feita pelos estivadores e para os estivadores. A citação completa do regulamento esclarece melhor:
REGULAMENTO A SER OBEDECIDO POR OCASIÃO DO USODA RADIOLA 1º - A radiola não será emprestada a particulares de vez que é patrimônio do sindicato. 2º - O associado poderá usar a radiola como empréstimo para caso de: aniversário ou casamento, seu ou de filhos, na sede dosindicato. 3º - Nas oportunidades dançantes, tem franco direito de participar o associado com sua esposa, filhos, irmãos e cunhados. 4º - Nas oportunidades dançantes o associado terá direito a admitir dois amigos de inteira confiança. 5º - Não será permitido nos momentos dançantes, nenhum associado, especialmente particulares dançarem vizivelmente alcoolizados. 6º - Nenhum particular poderá ingressar na sede do sindicato, nas oportunidades dançantes, sem ser previamente convidado por associados da entidade, com exceção das autoridades. 7º - É exclusivamente proibido a venda no sindicato, de aguardente, conhaque, etc. 8º - A radiola será usada nas oportunidades das datas cívicas, e de aniversário do sindicato, nos momentos de reuniões e quando se fizer necessário. Contando com a boa compreensão de todos os associados desta entidade pela manutenção da ordem, do respeito, em prol das nossas tranqüilidades nos nossos momentos recreativos. Agradece. A Diretoria. Em 05/07/72. VRC.
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