quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O CONTRABANDO NO PORTO DE CAMOCIM

Desde que me entendi por gente escuto histórias de contrabando no município de Camocim. Segundo a oralidade, este expediente explicaria as fortunas de algumas famílias da cidade e da região norte, ligadas ao comércio, indústria e política. Essa forma de comercializar era tão escancarada mas, ao mesmo tempo silenciada, dependendo da conjuntura política. Na década de 1950, o assunto do contrabando de café, especialmente, e de veículos tipo "Rural" ganharam repercussão nacional, com ecos até na Câmara dos Deputados que acabou por instalar uma CPI para apurar os fatos. O Porto de Camocim era rota dessas transações ao arrepio da lei, a ponto de, segundo me confidenciou um pesquisador, filho de um Ministro da época, que as tais "Rurais", eram conhecidas no sul-sudeste como as "Camocins". O tempo passou e a história que ouvi contar nas tardes ensolaradas da Rua do Egito por ferroviários e marínheiros  aposentados, acabou atravessando nossas pesquisas, às vezes se materializando na documentação, confirmando ou refutando algumas dessas histórias. Hoje, trazemos a repercussão na Cãmara Federal, numa versão resumida, sobre o contrabando de produtos no Ceará, passando pelo porto de Camocim. Na matéria, chamaria a atenção para a presença do então Deputado Federal Esmerino Arruda nos trabalhos da então Comissão Parlamentar de Inquérito que tratou do assunto. Os grifos em negrito no documento são nossos.

"RESOLUÇÃO Nº 2 - 1959: (Publicado no “D.C.N.” de 24-4-1959, página nº 2 - Suplemento)
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados:
Os Deputados, infra- assinados, com fundamento no art. 53 da Constituição Federal e de acordo com o art. 31 do Regimento Interno, requerem a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a veracidade dos fatos, adiante expostos, cuja gravidade e extensão constituem uma violação frontal às leis em vigor e uma séria ameaça a receita cambial do País.
O CONTRABANDO DO CAFÉ E DA CERA DE CARNAUBA
É fato público e notório amplamente divulgado pela imprensa de todo o País, a exportação clandestina de café, nos Estados nordestinos. Aquele que viaja pela estrada Rio-Bahia-Ceará se depara,  freqüente mente, com caminhões repletos de café, cuja destinação suposta é o mercado consumidor daqueles Estados. O transporte é, feito ás claras e sem a menor cautela, eis que é livre a circulação de mercadoria dentro do território nacional. Os meios utilizados pelos contrabandistas são os mais variados. Ora, empregam embarcações particulares, carregadas em locais desertos e as caladas da noite. Ora, contando com a conivência das autoridades aduaneiras e estaduais embarcam o café como produtos locais de pouca valia, ou consignando-o a portos no território nacional, ou simplesmente, enchem os porões dos navios sem maiores cautelas, com destino a Paramaribo. Pois todos são interessados no sigilo do negócio.  Pois todos são interessados no sigilo do negócio. O dinheiro corre forte e grosso. Todas as consciências são compradas. Todos os escrúpulos entorpecidos pela volúpia do lucro fácil e imediato.
Enquanto os negociadores do ilícito enriquecem á custa da riqueza nacional, as autoridades competentes assistem de braços cruzados a orgia de corrupção generalizada.  (...) O Governo não dispõe de meios para combater a evasão crescente de divisas preciosas, roubadas á Nação pelo contrabando organizado. Mas, os meios estão ai. Nada mais fácil do que acompanhar o intinerário sinistro do café, em transito pelas rodovias do Nordeste, desde o começo ao fim da viagem. Basta examinar os manifestos de embarques de café, consignado a portos nacionais e verificar que o produto não desembarcou, continuando sua fuga para o exterior. (...) Como conseqüência e corolário natural da impunidade dos contrabandista de café, surgiu, no Nordeste, o contrabandista da cera de carnaúba. Em verdade, no Estado do Ceará, está se alastrando, em proporções alarmante, o contrabando daquele importante produto. Para citar um exemplo concreto, basta mencionar o embarque clandestino, efetuado em dezembro do ano passado, as altas horas da noite, de varias toneladas de ceras, no porto de Camocim. Toda população daquela cidade tem conhecimento do fato.
Cumpre á Comissão de Inquérito apurar a veracidade dos fatos aqui denunciados e relatar quais as providências tomadas pelas autoridades competentes para punição dos responsáveis.
A IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE 38 VEICULOS NO ESTADO DO CEARÁ
Outro fato que escandalizou a opinião pública do País, e já serviu de base para pedido de informação por parte do Deputados Souto Maior ao Sr. Ministro da Fazenda, foi o desembarque, no Ceará, de 38 caixas contendo automóveis e camionetas de luxo.(...) O requerimento de importação em regime de privilegio, segundo a Nota Oficial da Alfândega de  Fortaleza, foi feito em 89-11-57 e autorizado pelo Sr. Presidente da Republica autorizar, naquela data, a importação dos veículos mencionados a uma entidade que só adquiriu personalidade jurídica no dia 29 de outubro de 1958, com a publicação dos Estatutos no “Diário Oficial da “União  Oficial da União”, e que só passou a fazer jus ao beneficio de importação em regime de privilegio no dia 3 de dezembro do mesmo ano, com o registro no Serviço Social? Evidentemente, Houve um abuso de confiança e S.Ex{ os Sr. Presidente da Republica foi ludibriado em sua boa fé.
Isto não é tudo, entretanto. Em verdade, até hoje, não se sabe de onde proveio o dinheiro para importação daqueles veículos de luxo. Declarou o Padre Valério á imprensa que recebeu os carros como donativos de pessoas residentes nos Estados Unidos. Não disse, porem, quem foi o doador ou doadores. (...) Por outro lado, não parece crível que nos que nos Estados Unidos existam doadores tão generosos e, ao mesmo tempo, tão obtuso, Pois, tratando-se de uma ordem religiosa mantenedora de educandários de ensino, o donativo menos apropriado seria, inegavelmente, automóveis  de luxo. Há tanta coisa útil que poderá ser doada áquelas entidades, inclusive dinheiro, em moeda sonante. Pois é certo que o dólar convertido em cruzeiro, no cambio livre, constituiria um auxilio inestimável aos donatários em apreço.
Por isso, somos levados á conclusão de que jamais existiram tais donativos. Tudo indica que a transação foi financiada inteiramente por grupos econômicos, cuja atividade se prende ao comércio de automóveis. Não há dúvida de que houve fraude á lei, para obtenção de vantagem ilícita, com prejuízo para receita cambial do País. (...) Por trás dos bastidores, existem, desenganadamente, pessoas de grande influencia, diretamente interessados no assunto. Agem na sobra invocando o nome e o prestigio de homens de reputação ilibada. Neste sentido foi divulgada a notícia, através de um telegrama endereçado a um jornalista cearense, de que o eminente Cardeal de São Paulo havia pedido a um Deputado federal sua interferência junto ao Sr. Presidente da Republica para que fossem liberados os carros. Felizmente Sua Eminência desmentiu a intriga em carta endereçada ao Governador Parsifal Barroso.
O contrabando está perfeitamente caracterizado. Só resta punir os que fazem o comercio do ilícito e da imoralidade contra o bem publico e a lealdade dos negócios.
Esta Comissão será constituída de cinco membros e terá a duração de 120 dias, podendo despender, no exercício de suas atividades,  a quantia de Cr$ 300.000,00.
Sala das Sessões, em 10 de abril de 1959 - Esmerino Arruda - Rondon Pacheco -Benjamim Farah - Sergio Magalhães - César Prieto - Souto Maior - Carlos Lacerda  (segue lista de demais deputados que assinam...)
(...)
Em virtude desta Resolução o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados designou para constituir a Comissão Parlamentar de Inquérito os Srs. Deputados Moacyr Azevedo, Abelardo Jurema, José Humberto, Souto Maior e Esmerino Arruda.  

FONTE:  Senado Federal. Subsecretaria de Informações. RESOLUÇÃO Nº 2 - 1959: (Publicado no “D.C.N.” de 24-4-1959, página nº 2 - Suplemento). 
Foto:Internet (meramente ilustrativa)

4 comentários:

  1. Pois é Carlos Augusto. Imagine o nosso velho Esmerino se "esmerando" para punir os responsáveis pelo contrabando da época em Camocim. Esse tipo de assunto é muito interessante e obviamente envolve outros sobrenomes conhecidos por aqui. Explore mais esse assunto, meu nobre historiador.
    F.Veras.

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  2. Caro Fernando, infelizmente, apesar de sabermos os nomes, a documentação e as fontes na maioria das vezes não trazem os nomes, o que nos impede de afirmar ou conformar alguns nomes, contudo, como diz a matéria, em Camocim, todo mundo sabia quem eram os contrabandistas. Outras matérias virão sobre o assunto!
    Carlos

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  3. Caro Carlos Augusto, quando eu comentei no Camocim Online que era difícil saber quem eram as pessoas influentes de Camocim naquela época é evidente que dei uma ironizada.

    Fco. Souza

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  4. Entendi Francisco, por isso ainda hoje em Camocim este é um assunto tabu. Veja principalmente, o número de comentários sobre o post.

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