Durante muito tempo e ainda hoje, o Livro "Camocim Centenário" de Tobis de Melo Monteiro foi e ainda é uma referência para a história do Município de Camocim. O blog traz hoje uma resenha que fiz desse livro há algum tempo atrás para uma publicação conjunta com alunos do Curso de História da UVA, que breve será lançada.
Uma data centenária é sempre um momento de comemoração. Não foi diferente em Camocim-Ceará, situada no litoral oeste do estado. O mês de setembro do ano de 1979 foi marcado por muitas festas, inaugurações de obras, promessas de outras. A cidade foi cantada em prosa e verso. No íntimo, talvez o administrador da época procurasse a todo custo fazer com que os munícipes esquecessem a trágica partida do trem e, com ele a desativação do ramal ferroviário Camocim-Sobral, ocorrida há dois anos antes.
A nostalgia dos apitos matutinos e vespertinos do bólido de ferro, a sair e a chegar do seu itinerário secular, contudo, parecia estar presente na memória do povo que ainda vivia a expectativa de sua volta, sempre alimentada pelos políticos locais. Camocim, portanto, vivia a realidade da desativação não só da ferrovia, mas também do porto que dava intensos sinais de declínio. A conjugação desses espaços de trabalho, desde o final do século XIX, sustentava a economia local e de toda a região norte do Estado do Ceará e estados vizinhos.
Dentre os eventos do centenário, trago à luz para análise o livro Camocim Centenário. 1879-1979, do jornalista camocinense Tóbis de Melo Monteiro, que de certa forma, contextualiza esse baque sofrido no cotidiano da cidade – o esvaziamento econômico provocado pela desativação do porto e da ferrovia. Neste sentido, o autor além de lamentar essa conjuntura, indica várias ações propositivas para o soerguimento econômico do município. Conclama os comerciantes a serem mais agressivos em suas áreas de atuação, cita exemplos a serem seguidos, elenca as potencialidades industriais, visualiza futuro na exploração de minerais e petróleo para a revitalização do porto.
Tóbis Monteiro, jornalista e filho de jornalista, faz do seu trabalho apresentado no livro uma grande reportagem. E é neste aspecto que a obra escapa de uma linearidade que marca os livros de história dos municípios com essa pretensão. Embora conte com todos os elementos que caracterizam esse tipo de obra como as informações quanto aos primeiros habitantes, evolução toponômica, economia, história, emancipação política, filhos ilustres, aspectos culturais, dentre outros, o texto do autor acaba por diluir esse roteiro pelos vários capítulos, ou subitens que organizam o livro.
Do ponto de vista da estrutura da obra, como já dissemos, o autor procura se afastar de uma linha do tempo. Começa por dar uma visão panorâmica do ano de 1984 , trafega por aqueles lugares comuns que já assinalamos neste tipo de obra, dedica capítulo especial às festividades do centenário, escreve suas reminiscências desde o ano de 1919 a 1933, inclui traços biográficos de seu pai e de um irmão e fecha com uma ampla compilação do que saiu nos jornais sobre o voo heroico e pioneiro do piloto camocinense Pinto Martins entre Nova Iorque e Rio de Janeiro em 1922.
Vale salientar a valorização à poetas e artistas da terra feita pelo autor. Seu texto, sempre que possível é permeado por poesias e gravuras, como as das telas famosas do artista plástico Raimundo Cela, cujo resultado final como efeito visual fica prejudicado, posto que o livro foi publicado em papel jornal. Isto salta aos olhos para uma publicação que visava marcar o centenário da cidade. O jornalista parece não ter tido apoio oficial, visto que não há nenhuma menção dessa ajuda, nem logotipos oficiais.
Quanto ao posicionamento político do autor, o mesmo busca uma pretensa neutralidade, talvez forjada pela distância em que se encontra, escrevendo do Rio de Janeiro. Na apresentação da obra ele é enfático: “Não contém nenhuma crítica a quem quer que seja. Pelo contrário, traz uma mensagem de paz, confiança e otimismo” (p.7). A legitimação da obra, portanto, parece não carecer do aval dos políticos da época e nem autor parece buscar isso, o que seria bastante presumível numa obra que destacaria os feitos administrativos daquele ano.
Ao contrário, e sem citar nomes o autor respalda sua pesquisa por quatro “camocinenses de boa têmpera”:
Do funcionário público: bom. Onde você foi buscar tantas informações?
Do 1º advogado: o trabalho é muito interessante.
Do 2º advogado: Bom. É rico de informações. Você diz coisas que eu não sabia.
Do bancário: É justamente o livro que estava faltando em Camocim. (p.7)
Portanto, a data centenária estava contemplada com seu competente registro, registro este que perdurou e ainda perdura como uma obra a suprir as mesmices das pesquisas escolares quando todo setembro chega. Talvez nisso ainda resida sua importância como uma obra histórica, mas, por outro lado também tem a capacidade de inspirar outras pesquisas que, felizmente vem dando outros frutos, mesmo que lentamente, seja na produção de memorialistas ou de historiadores formados pelo Curso de História da UVA.