quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A SOCIEDADE SÃO VICENTE DE PAULA EM CAMOCIM

Sede da SSVP. Fonte: revistacamocim.com
Na minha última visita a Camocim vi de perto os trabalhos de reforma da sede da Sociedade São Vicente de Paula situada à Rua 24 de Maio, esquina com Marechal Floriano. Como todos sabem, a SSVP é uma entidade que pratica a filantropia ligada à Igreja Católica. Neste espaço já me referi a uma luta antiga dos vicentinos em construir um albergue para idosos num espaço contíguo à vila de casas administradas pela SSVP na Rua Marechal Floriano. Naquele texto expressei minha admiração de tal projeto ainda não ter sido realizado face às outras obras já realizadas pela Paróquia Bom Jesus dos Navegantes, dizendo: O que é um albergue para acolher idosos diante de uma Igreja de São Francisco, de uma casa de veraneio para o Bispo, de um Centro Comunitário como o do Bairro São Francisco? Falta dinheiro, vontade ou fé?  Existe outra explicação? Eu só queria entender". Estudando mais sobre o objetivo da SSVP no meio católico, talvez algumas luzes iluminem uma compreensão entre o quê o seu fundador idealizou como missão no mundo e as demandas que a Igreja Católica elegeu ao longo dos tempos. Nos estatutos da SSVP do Rio de Janeiro, fundada em 1861 o mesmo reza que a sociedade deveria "levar consolações aos enfermos e aos encarcerados, de instruir as crianças pobres, desamparadas ou reclusas, e de prestar socorros religiosos aos que dele carecerem em artigo de morte" (Arquivo Nacional, caixa 575, código 173).
Às vezes, a Igreja também entrava na seara política e adaptava seus interesses com a rede de associações pias composta pelos leigos cristãos. Prova disso foi o fato da SSVP ter sido em Camocim e em outros recantos do país o braço da Igreja Católica que atuava no campo da caridade e catequização junto aos mais pobres, que, na ótica da Igreja eram mais suscetíveis em adotar o credo vermelho e seu leque de promessas de uma sociedade mais igualitária. Na guerra travada entre católicos e comunistas, os vicentinos foram chamados para arrecadarem alimentos e remédios e, em cada cidade que atuava deixava quase sempre um ambulatório médico para socorrer os necessitados. Um desses foi instalado em Camocim no passado. No entanto, o que queremos evidenciar neste espaço não é propriamente a coloração ideológica ou doutrinária de qualquer entidade, mas, a luta de uma associação de abnegados que, motivados por sua fé e talvez o compromisso social de cada um, tentam realizar um trabalho caritativo junto aos mais pobres de nossa sociedade, enfrentando dificuldades dentro e fora de seu âmbito de ação, no caso de Camocim, desde 16 de outubro 1938, data de sua fundação, segundo o Livro de Registro de Pessoas Jurídicas, do antigo Cartório André. Aos esforços dos vicentinos em reformar seu espaço de reuniões e sociabilidades, nossos votos de sucesso pleno nessa empreitada. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O RAMAL FERROVIÁRIO DE CAMOCIM-SOBRAL E AS NOTÍCIAS DOS JORNAIS



Foto: Arquivo do blog
Os mais céticos dizem que a única coisa verdadeira em jornal é a data. Exageros à parte, infelizmente, os grupos midiáticos, para além dos jornais, cada vez mais espelham suas ideologias e interesses e quase sempre as notícias e fatos relatados retratam uma “verdade” direcionada para o grande público. Folheando os jornais de outrora e de agora, tenho a sensação de que isso obedece a uma lógica da dominação, muitas vezes adiando apenas o inevitável no jogo de manipulação da opinião pública. 
Exemplo: a desativação do ramal ferroviário Camocim-Sobral. Como sabemos, desde o golpe civil-militar de 31 de março de 1964 que o governo priorizou a indústria automobilística. Para isso tinha-se que inviabilizar a já então combalida malha ferroviária brasileira. Com efeito, desde décadas anteriores que a Estrada de Ferro de Sobral vinha sofrendo um sucateamento em seu material rodante, favorecendo um discurso para sua desativação. Este quadro piora a partir de meados da década de 1960 que culmina com os episódios de 1977, ano do fechamento total do ramal Camocim-Sobral. Mas, o que dizem os jornais? Dependendo da temperatura, matérias pró e contra aparecem  nos periódicos, quase sempre análises técnicas e promessas de políticos. Para a coluna de hoje, transcrevo o que o Jornal O Povo publica numa pequena nota, aparentemente paga, no meio da página 5, do dia 03 de abril de 1963:

RAMAL DE CAMOCIM NÃO SERÁ EXTINTO
Segundo informações do Gabinete de Relações Públicas da Rêde de Viação Cearense, a Administração daquela Rede não pretende de modo algum extinguir o ramal de Camocim. Muito ao contrário, considera-o de vital importância para a economia do Estado.
Acrescentou  que ali  é uma zona portuária onde se constrói um pôrto com condições  excelentes para escoamento de produtos agrícolas de uma área tão vasta quanto rica. Há ainda a extração de minérios em Sobral e no próprio município de Camocim, que terá escoamento  por seu próprio porto. Esclareceu ainda a mesma fonte que numa demonstração do interesse da Administração da RVC para com o ramal de Camocim, estão sendo adotadas providências no sentido de serem os trilhos daquele ramal substituídos por outros capazes de revolver uma maior densidade de transporte.  

O resto da história todos nós sabemos! 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

CAMOCIM E SEUS TIPOS HUMANOS

Tinildo. Foto: Camocimonline
A obra de Souza Lima, "Adolescência na Selva", é pontuada de tipos humanos que habitaram nossa cidade no início do século XX. Sem dúvida, uma cidade não teria suas peculiaridades sem esses tipos cuja existência marcam uma época, seja pelo aspecto exótico, pelo inusitado, ou mesmo por suas condutas e cotidiano, saírem dos ditos "padrões normais", que a sociedade institui. Nessas trajetórias de vida, muitos deles trazem consigo uma característica que os distinguem dos demais, os tornando pequenas ilhas humanas onde a sociedade dita normal gravita em torno. 
Ou seria o contrário? Se antes, muito deles eram tidos como loucos (comprovadamente ou não pelo saber científico), hoje são tidos como "especiais". Prefiro dizer que os mesmos são apenas pessoas que, muitas vezes, não por vontade suas, compõem o cenário social da forma como entendem o mundo. Feito este preâmbulo, vou elencar alguns destes tipos que me ocorrem agora, povoadores da minha trajetória de vida e de muitos dos leitores desta coluna. (os retratados por Souza lima ficarão para outra oportunidade). 
Quem não se lembra do Deusdete (ou Deordete, como queiram), balançando sua cabeçorra a pedir esmola de mão estendida, pés descalços envergando quase sempre a mesma roupa? Aos domingos quando meu pai me levava à Pedra para comprar o almoço, sempre divisava o intrépido carreteiro Pilombeta, que mesmo com muitos quilos na cabeça, não dispensava o rebolado característico de homossexual que era e tinha como se estivesse numa passarela, para a alegria e chacota da molecagem do mercado a gritar palavrões e chistes que, creio, no íntimo funcionava como uma plateia para o show particular de Pilombeta. No seu passo cadenciado e pequeno, o Catapora para mim era uma figura estranha que perambulava pelas ruas e se escondia nos escombros da então Estação Ferroviária. O que fazia? Depois de muito tempo soube que consertava máquinas de escrever. E o Zé Capado? Ao juntar o lixo da cidade em seus inúmeros sacos carregava consigo não somente o mau cheiro característico como os sintomas da doença conhecida como Síndrome de Diógenes. 
Outro dia vi o Lucimar! No entanto, apesar do tempo e da história que passou mais de um ano sem dormir, a lembrança firme que tenho dele é de um Sancho Pança ao contrário, cavalgando ou tangendo seu jumentinho à vender lenha, carvão, água e a limpar os quintais de outrora. Dizem que era um autêntico pé-de-valsa e isso pude constatar um dia, quando compareci a uma destes forrós da periferia. Quando dei por mim, o Lucimar já tinha tirado minha esposa para dançar. Mais recentemente, nos anos 1990, a visão mais ingênua e bela que vi nos últimos tempos foi quando, ao abrir a minha porta numa manhã ensolarada de verão,  me deparei com a ... (como é o nome dela mesmo?) completamente nua a tomar banho no jardim. Ela faz isso regularmente até hoje sem constrangimento. E a Regina, lá da Boa Esperança, será que ainda lança os seus impropérios e palavrões nas portas dos bancos contra os ladrões do seu dinheiro? para finalizar, há os tipos que agora sempre estão na mídia. Um virou até título de coluna no Camocim Online. Quando não está pegando seus siris ou os ingressos de cortesias nas festas, Babau serve de alter ego para o Tadeu Nogueira anunciar os eventos do final de semana. Pode haver uma pessoa do bem em Camocim como o Babau? E o Tinildo (foto)? É outro que, com seu faro canino, fareja à distância tudo quanto é comemoração gastronômica. E a senha? Bença Tinildo! Deufasfelis!

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

CAMOCIM E SEUS LUGARES E RUAS ANTIGOS



Agradecendo os acessos dos nossos leitores em 2013, iniciamos mais um ano sempre na missão de destacar nossa história. Que em 2014, possamos ter mais um ano fecundo na descoberta e na escrita do nosso passado. Neste espaço já retratamos antigos nomes de espaços e logradouros de Camocim. No entanto, como prometemos anteriormente, iremos explorar um pouco mais a obra “Adolescência na Selva”, do camocinense SOUZA LIMA. Alguns destes nomes nos soam familiares porque transmitidos pela tradição oral, outros nem tanto. Aí é que está a importância de um escrito como este, datado do início do século XX, quando ainda éramos uma cidadezinha nascente, na transição de distrito da Barra do Camocim ligado à Granja. Os maiores de sessenta anos, com certeza se acharão e se identificarão com estes nomes.
Deste modo, quando o autor rememora a perda do salário semanal de seu pai, funcionário da Estrada de Ferro, registra: “... ao atravessar o Largo Velho, já na esquina do Coronel Severiano José de Carvalho, ao meter a mão no bolso, sentiu que o dinheiro que havia recebido naquele sábado não estava mais ali” (p.16). Ao falar sobre um touro indomável e faminto que corria a cidade sem rumo, diz da sua localização quando o bovino parecia lhe ameaçar: “Eu estava perto do Trapiche Pernambucano, onde os navios pegavam gado, quando havia inverno”. Finaliza dizendo sobre o fim trágico do animal: “E o touro negro, alguns dias depois, foi encontrado morto lá para os lados do Quadro Velho...” (p.24-5). Ao noticiar um crime hediondo contra a família de Francisco Nelson Chaves, do qual veio a falecer o mesmo e sua esposa, o autor nos transporta para as origens do primeiro bairro de Camocim – o Cruzeiro, onde morava o criminoso Joaquim Pacífico de Oliveira: “Socaram-se ali no Largo da Cruz do Século. Compraram aqueles terrenos por um tostão de mel coado” (p.48). Das brincadeiras de menino, nosso escritor descreve a do Judas: “Quando o sino das Oficinas bateu duas badaladas bem compassadas, o mano levantou-se devagarinho com o Judas no ombro...”.  O tal Judas seria roubado por outros rapazes camocinenses que estudavam na capital. Na descrição do roubo, um “caminho” entre a Rua do Egito e a Rua do Sol é revelado: “... uma gritaria se ouvia para o lado do Bêco do João Vital, - eram os alunos do Colégio Militar que vinham numa algazarra enorme, arrastando o Judas para defronte de nossa casa, para fazerem pouco de nós”. (p.67-8).
Oficinas de Camocim. Arquivo do blog.
Feito este mergulho no tempo, lembro-me de quando era menino na Rua do Egito a partir do final dos anos 1970. O sino das Oficinas (foto) não soavam mais e o Beco do João Vital já tinha sido tapado. E você, do que se lembra?


Fonte: LIMA, Souza. Adolescência na Selva.1967.