Capa do livro "O Terra e Mar" de Carlos Cardeal. |
Convidado para escrever uma crônica semanal do blog Camocim Online, decidi fazer uma ponte entre passado e presente, envolvendo a polêmica sobre as declarações do advogado Marcos
Coelho com relação à Câmara Municipal de Camocim:
Entendo perfeitamente quem rebate as comparações do trepidante
causídico, notadamente as vereadoras, pelas convenções sociais
óbvias. Contudo, ironia da história – no extinto e mais famoso
cabaré que se tem notícia na história de Camocim – O Terra e
Mar, algo além do que as prostitutas em profusão chamava a
atenção, como nos deixou escrito Carlos Cardeal em romance de
título homônimo:(...) Acima das prateleiras, estava gravada na
parede branca, com letras pretas a célebre frase shakespeariana
retirada do monólogo de Hamlet: To be or not to be, that
is the question”. Logo abaixo, a tradução em letras
não menos legíveis, mas de menor tamanho, “ser ou não
ser, eis a questão”.
Logo comecei a pensar na importância dessas mulheres para a economia
local, ocupando espaços na cidade, criando uma cuja zona do baixo
meretrício que ia desde a Rua do Macedo (final da atual Santos
Dumont) passando pela Marechal Deodoro, subindo a General Sampaio até
o encontro com a Marechal Floriano, formando uma espécie de “U”
se constituindo numa geografia do prazer.
Essa ambiência da prostituição é recuperada no romance de Carlos
Cardeal. As prostitutas chegavam por trem e faziam a vida na zona,
“aliviando” a dureza da lida no mar dos marinheiros ocasionais e
aventureiros que por aqui aportavam. Na narrativa romanesca, ponteada
de ficção, mas, agregando muitos aspectos reais e históricos, os
lugares e as festas são descritos com riqueza de detalhes. A
protagonista do romance é a prostituta Rita.
Com a decadência do porto e o fechamento da ferrovia essa
prostituição muda de feição e de lugar, mas não posso deixar de
pensar no que se tornou o prédio da Estação Ferroviária até
meados da década de 1980. Famosa ficou aquela senhora que recebia os
clientes nos escombros das Oficinas, cujo nome era incendiário. Das
minhas próprias lembranças, onde andará aquela moça que atendia
no Cabaré do Kátia, importada da cidade de Parnaíba e que iniciou alguns
rapazes da minha geração?
Esse tempo não está apenas na memória, mas também já virou
história na monografia de conclusão do Curso de História da UVA de
Petrilia Paulini Pereira Sales com o título: “O Terra de Mar:
uma história do profano em Camocim-CE. 1940-1980.
Rapariga
pode não ser um bom nome para se imputar (sem trocadilho) a outrem.
No entanto, é preciso dizer que elas são sujeitos da sua própria
história, votam e podem ser votadas.
Foto: arquivo do blog.