Na falta de um texto melhor, reproduzimos com algumas modificações, trecho de nossa tese de doutorado onde se discute o lazer dos trabalhadores urbanos de Camocim, enfocando principalmente o Carnaval. Boa folia para todos!!!!
Na rua que nós passamos
Causamos admiração
Nós somos o bloco do Una
Pelas meninas do meu coração.
Na falta de um número maior de clubes dançantes na cidade (mesmo porque os pouco existentes não permitiam a entrada de populares), as salas apertadas dos sindicatos eram disputadas, mesmo que entre os trabalhadores existissem aqueles que eram contra a promoção deste tipo de festa, posto que provocavam danos físicos nas mesmas, nem sempre reparados pelos promotores dos bailes carnavalescos. Mas os bailes acabavam acontecendo, não somente nas sedes sindicais, mas também em outros clubes populares, como escreve Artur Queirós:
A Segunda, como era chamada na escala social, os demais, se agrupavam em clubes suburbanos, como o Cruzeiro Sport Club, o Lavanca, na Rua do Sol, com o Zé Pinto de porteiro, o Mija Moça, lá para as bandas da Rua Três de Outubro (...) além do maxixe das quengas, lá na Gameleira, Rua do Macedo e Pega e Puxa.
O carnaval, portanto, era um momento de lazer que envolvia os trabalhadores, seja nos bailes nas sedes sociais ou na formação de blocos. O carnaval de rua, segundo os cronistas, era dominado pelos trabalhadores urbanos, existindo, aí, uma clara diferenciação entre estes e os blocos e bailes realizados nos clubes da elite local como Camocim Club, Comercial Clube e Balneário Sport Club. Além disso, nosso cronista que presenciou e se regalou nos carnavais promovidos pelos dois lados, ressalta a diferença da animação dos foliões na brincadeira carnavalesca, comparando-os:
No carnaval de outrora, em Camocim, apareciam muitos blocos populares, carnaval de rua. Eram de estivadores, dos portuários, dos salineiros, dos pescadores, dos marítimos e vários outros, que recebiam até, estímulo da prefeitura, mediante premiação aos que melhor se apresentassem, mediante a classificação de criteriosa comissão julgadora .(...) (...) Os bailes da elite, no Camocim-Club, no Balneário e no Comercial Club reuniam a burguesia local, com bonitas e custosas fantasias, mas sem o entusiasmo das festas da macacada, longe do puritanismo e da peneira dos fidalgos.
Com bom humor carnavalesco, a festa da “macacada” parece seduzir mais nosso cronista classe média. O entusiasmo de que fala é corroborado por outra testemunha dessa festa dos trabalhadores, dos blocos de sujos, improvisados na liberdade das ruas: “... passavam tisna de panela no rosto todo, nessas ruas todas e foram parar lá na casa de João Luís de França, que tinha o nome de rua do Suvaco, imagina que nome, e ali era a farra”. Dessa forma, o Sr. Euclides também salienta o carnaval de rua, mas, denuncia a divisão da folia entre o centro da cidade e a periferia praiana:
“... tinha os corsos, carro aberto, sentado em cima da capota, passava pelas calçadas jogando serpentinas e confetes, mas só no centro, não passava por aqui, não vinha para esse lado porque pensava que era um povo condenado, essa gente foi sempre separada da sociedade, era só o centro. E tinha as ruas onde morava o pessoal da sociedade, aí no centro, os ricos e hoje trafegam todo mundo... era tudo dividido”.
Na pequena e pacata Camocim, contudo, essas divisões pareciam não afetar muito o espírito dos foliões e observadores da festa que hoje põe suas memórias no papel:
Nas tardes de carnaval, a rua ficava repleta de papangus, em frente ao depósito de cachaça do ‘seu’ Sebastião. Mas, eram apenas papangus, alegres e esmolambados em suas fantasias baratas do carnaval irreverente do povão. O luxo das tardes mominas ficava mesmo por conta da passagem do Bloco do Bandu, que fascinava todos com seu estandarte e suas fantasias de laquê multicoloridas. O tempo levou para bem longe a alegria contagiante daqueles papangus que arrastavam pelas ruas a animação brejeira dos carnavais de Camocim de antigamente, e que, a exemplo do Bloco do Bandu, é hoje, apenas, uma lembrança sutil na memória dos saudosistas de minha terra natal.
As folias carnavalescas, assim como o folguedo da Nau Catarineta, eram muito influenciadas pelo que se conhecia no restante do país, embora guardassem suas especificidades locais. O Sr. Euclides Negreiros dá exemplos dessa, digamos, circularidade da cultura carnavalesca que tinha correspondência em Camocim:
Tinha um senhor (...) ele era carioca e veio para Camocim, desmontou um carro todo e fez uma espécie de chalé... “Folias do Japão”. Aí ele fez aquele pagode, pagode aqui é dança, mas tem o pagode, justamente é um chalé chinês, é. Então ele fez aquilo direitinho, se fantasiou todo de chinês e foi muito bonito. Já o Bloco das Oficinas tinha o nome de Martelo de Prata, saía das oficinas e outros como o Bloco dos Sujos, igual o Rio de Janeiro, era o pessoal que vinha do Rio de Janeiro, chegavam aqui e queria fazer o carnaval, e pronto, saía, todo mundo brincava com o pessoal dos navios.
Na organização desses blocos, encontram-se alguns estivadores, entre eles Sebastião Marques, uma espécie de agitador cultural na cidade, que se envolveu não somente com o carnaval, mas com o futebol e outras manifestações folclóricas. Com o apoio oficial, como se disse, vários desses blocos animavam as ruas da cidade, sendo premiados em várias modalidades como “o melhor estandarte, o folião mais animado, fantasias individuais etc.”. Logo as rivalidades se formariam. Para os integrantes do Bloco do Treco, de classe média, o maior rival deles era do Bloco dos Marítimos. Aroldo Viana, cronista que integrava o Bloco do Treco, lembra de outras agremiações que brilharam em meados da década de 1960: “Odaliscas do Rei Salomão, Vai-quem-quer, Não dô cavaco, Bloco do Zorro, os Intocáveis, União, Zombando do azar e outros mais”. Numa nota de empenho da Prefeitura Municipal de Camocim, que confirma esse apoio oficial, encontram-se nomes dos organizadores e de blocos para o ano de 1971. Sebastião Marques, Zacarias Ribeiro e Olivan R.Cruz recebem Cr$ 50,00 cada, para exibirem no carnaval daquele ano os blocos “Os Bambas do Passo”, “Os Marítimos” e “Os intocáveis”, respectivamente.